Para Jô
Leitura ao som de Maria Creuza
A
felicidade é como gota de orvalho numa pétala de flor/ brilha tranqüila/ depois
leve oscila/ e cai como uma lágrima de amor.
Estampado na
tela do computador estava esse fragmento. Era a parte final do e-mail que ela
acabara de escrever para ele. Já se correspondiam há alguns meses e entre
discussões e desculpas virtuais resolveram romper o silêncio. Por isso, além do
horário e do local do encontro, o texto trazia esse fragmento de Vinícius, que
ela adorava. Versos que expressavam a idéia que ela acreditava ser a
felicidade. Além de cair como uma luva para o seu protelar em encontrarem-se. A
felicidade do encontro poderia ser essa gota. Lá, os dois, no restaurante,
Maria Creuza tocando, os dedos percorrendo as taças de vinho tinto, os olhos
escondendo-se com medo do encontro e da confissão. A respiração prestes a parar
e o embaraço na hora do pedido. E a felicidade, como borboletas no estômago, a
mexer e remexer dentro deles.
Ela não saberia
dizer quanto tempo essa felicidade iria durar. Ela pensava então, na felicidade
oscilando, como na canção. Por isso, a dúvida se devia ou não enviar aquela
mensagem. Tudo por vir ainda. E ela sabia no que daria essa história. Como
todas as outras. Decepção e felicidade caindo como uma lágrima de amor. Amor.
Amor. Ela tentou lembrar se já o tinha chamado por esse substantivo abstrato.
Era estranho pensar nisso, porque era essa a imagem que fazia. Ele era
abstrato. Não o Amor. Mas aquele que estava do outro lado à espera de sua
resposta. E agora, no momento decisivo vinham todas essas inquietações.
Felicidade, Amor, Decepção, Medo, Tristeza. Todos abstratos e ele mais ainda.
Não quisera
trocar fotos para não se decepcionar mais uma vez. Isso aconteceu com os
anteriores. Sua decepção não era com a aparência, mas com a falta de
sinceridade que alguns, por brincadeira talvez, haviam depositado na relação.
Decepção com ela própria por não ter coragem de acreditar que alguém bonito
poderia querer alguma coisa com ela.
A música parou e
ela interrompeu esse pensamento nebuloso. Apertou o play e a música recomeçou. Na voz de Maria Creuza, Tom e Vinícius lhe
diziam sua própria história. Amou, chorou, sofreu e encontrou novamente o amor.
Amor. Amor. Levantou-se foi até a cozinha pegar uma taça de vinho. O frio
pedia. Os pensamentos pediam. E a resposta na tela pedia para ser enviada. O
líquido escuro como a noite preencheu a taça enquanto ela pensava no amor. Do
décimo terceiro andar ela imaginava uma noite escura e os ombros dele a amparar
sua cabeça. As luzes dos carros que atravessavam a avenida pareciam pequeninas
estrelas insatisfeitas correndo na direção de algo indefinido. Iam e vinham.
Iam e vinham. Mas meia noite estava chegando e logo, poucas estrelas zarpariam
o asfalto.
Ela queria tanto
uma grama, um tronco de árvore para recostarem-se, uma lua cheia na escuridão
da noite, estrelas tremeluzindo, beijos e abraços apaixonados, a calma do amor.
Até pensou que desta vez iria dar certo. Porque...
Quando ele
chegou, ela já havia desistido desses encontros virtuais. Há um mês retirara
seu nome do site Parperfeito. E para não cair em tentação
só acessava seu e-mail profissional, até ignorara os poucos amigos...pra não
correr o risco.
Mas... num
Sábado à noite... “Há um renovar-se
de esperanças/ Porque hoje é sábado...Há uma tensão inusitada/ Porque hoje é
sábado...” ela
recitou Vinícius. A taça de vinho na mão, o vazio depois da janela, Marguerite
Duras desinteressante e, o computador no quarto.
Solidão.
Solidão. Solidão.
Não resistiu.
Tudo começou outra vez. Uma mensagem. Duas. Três. Quatro. Perdera a conta dos
poemas, das piadas, dos filmes, das canções. Ele era tudo. Ele era todos.
Combinaram um primeiro encontro. Nada social e oficial. Os dois amavam
Vinícius. O show de lançamento Você
e eu..., na
interpretação de Maria Creuza seria perfeito. Iriam encontrar-se na portaria.
Ela de cachecol vermelho, ele de luvas azuis. Ela foi de cachecol marrom.
Espiou-o na escada. Bonito. Impaciente. Desolado. Estavam em poltronas
distantes. Ela cá. Ele lá. Você e eu não houve aquela noite. Não o viu na
saída. Imaginou que ele não terminou de assistir ao show.
Sentiu-se só.
Cheia de saudade. Para não pensar nisso foi comprar um cd para uma amiga.
Enfrentou a fila dos autógrafos e elogiou a cantora. Lembrava agora que a amiga
ao receber o cd nem entendera esse seu esforço. Muito menos que o cd era pra
ela. E o achou triste. Realmente. Sua amiga estúpida tinha razão. Tristeza não
tem fim, felicidade sim...
Ela não entendia
essa tristeza sem fim. Triste estava e triste sentiu-se aquele que estava do
outro lado da tela, de luvas azuis. Sua noite terminou mais triste ainda. Não
recebeu dele uma mensagem contendo impropérios, ou mágoa, ou dor. Nenhuma
palavra com tom de raiva. Só a canção “Sem você”.
Percebeu a dor
implícita. O amor calado. E sentiu o peito diminuir...diminuir...diminuir... E quase lhe faltou o ar. A resposta que conseguiu dar foi
um apenas “Sinto muito”.
E agora, ela
estava ali novamente. Sentada em frente à tela sem saber se enviava a resposta
a um novo encontro que ele pedia. Decidiu-se. Escreveu mais um verso e enviou a
mensagem. Eu sou mais você e eu. Terminou o vinho da taça,
levantou-se e esticou os braços empurrando a vida para a ponta dos dedos. Abriu
a janela e viu um ou outro carro que cruzava a avenida. Sentiu o vento que
anunciava mais uma madrugada de sábado e “impossível fugir a essa dura realidade”.
Ela lançou sua
vida ao abismo. Porque hoje é
Sábado.
(Maria Creuza - Onde anda você)
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