sábado, 27 de julho de 2013

Insensatez


Para Jô
Leitura ao som de Maria Creuza

            A felicidade é como gota de orvalho numa pétala de flor/ brilha tranqüila/ depois leve oscila/ e cai como uma lágrima de amor.
Estampado na tela do computador estava esse fragmento. Era a parte final do e-mail que ela acabara de escrever para ele. Já se correspondiam há alguns meses e entre discussões e desculpas virtuais resolveram romper o silêncio. Por isso, além do horário e do local do encontro, o texto trazia esse fragmento de Vinícius, que ela adorava. Versos que expressavam a idéia que ela acreditava ser a felicidade. Além de cair como uma luva para o seu protelar em encontrarem-se. A felicidade do encontro poderia ser essa gota. Lá, os dois, no restaurante, Maria Creuza tocando, os dedos percorrendo as taças de vinho tinto, os olhos escondendo-se com medo do encontro e da confissão. A respiração prestes a parar e o embaraço na hora do pedido. E a felicidade, como borboletas no estômago, a mexer e remexer dentro deles.
Ela não saberia dizer quanto tempo essa felicidade iria durar. Ela pensava então, na felicidade oscilando, como na canção. Por isso, a dúvida se devia ou não enviar aquela mensagem. Tudo por vir ainda. E ela sabia no que daria essa história. Como todas as outras. Decepção e felicidade caindo como uma lágrima de amor. Amor. Amor. Ela tentou lembrar se já o tinha chamado por esse substantivo abstrato. Era estranho pensar nisso, porque era essa a imagem que fazia. Ele era abstrato. Não o Amor. Mas aquele que estava do outro lado à espera de sua resposta. E agora, no momento decisivo vinham todas essas inquietações. Felicidade, Amor, Decepção, Medo, Tristeza. Todos abstratos e ele mais ainda.
Não quisera trocar fotos para não se decepcionar mais uma vez. Isso aconteceu com os anteriores. Sua decepção não era com a aparência, mas com a falta de sinceridade que alguns, por brincadeira talvez, haviam depositado na relação. Decepção com ela própria por não ter coragem de acreditar que alguém bonito poderia querer alguma coisa com ela.
A música parou e ela interrompeu esse pensamento nebuloso. Apertou o play e a música recomeçou. Na voz de Maria Creuza, Tom e Vinícius lhe diziam sua própria história. Amou, chorou, sofreu e encontrou novamente o amor. Amor. Amor. Levantou-se foi até a cozinha pegar uma taça de vinho. O frio pedia. Os pensamentos pediam. E a resposta na tela pedia para ser enviada. O líquido escuro como a noite preencheu a taça enquanto ela pensava no amor. Do décimo terceiro andar ela imaginava uma noite escura e os ombros dele a amparar sua cabeça. As luzes dos carros que atravessavam a avenida pareciam pequeninas estrelas insatisfeitas correndo na direção de algo indefinido. Iam e vinham. Iam e vinham. Mas meia noite estava chegando e logo, poucas estrelas zarpariam o asfalto.
Ela queria tanto uma grama, um tronco de árvore para recostarem-se, uma lua cheia na escuridão da noite, estrelas tremeluzindo, beijos e abraços apaixonados, a calma do amor. Até pensou que desta vez iria dar certo. Porque...
Quando ele chegou, ela já havia desistido desses encontros virtuais. Há um mês retirara seu nome do site Parperfeito. E para não cair em tentação só acessava seu e-mail profissional, até ignorara os poucos amigos...pra não correr o risco.
Mas... num Sábado à noite... “Há um renovar-se de esperanças/ Porque hoje é sábado...Há uma tensão inusitada/ Porque hoje é sábado...” ela recitou Vinícius. A taça de vinho na mão, o vazio depois da janela, Marguerite Duras desinteressante e, o computador no quarto.
Solidão. Solidão. Solidão.
Não resistiu. Tudo começou outra vez. Uma mensagem. Duas. Três. Quatro. Perdera a conta dos poemas, das piadas, dos filmes, das canções. Ele era tudo. Ele era todos. Combinaram um primeiro encontro. Nada social e oficial. Os dois amavam Vinícius. O show de lançamento Você e eu..., na interpretação de Maria Creuza seria perfeito. Iriam encontrar-se na portaria. Ela de cachecol vermelho, ele de luvas azuis. Ela foi de cachecol marrom. Espiou-o na escada. Bonito. Impaciente. Desolado. Estavam em poltronas distantes. Ela cá. Ele lá. Você e eu não houve aquela noite. Não o viu na saída. Imaginou que ele não terminou de assistir ao show.
Sentiu-se só. Cheia de saudade. Para não pensar nisso foi comprar um cd para uma amiga. Enfrentou a fila dos autógrafos e elogiou a cantora. Lembrava agora que a amiga ao receber o cd nem entendera esse seu esforço. Muito menos que o cd era pra ela. E o achou triste. Realmente. Sua amiga estúpida tinha razão. Tristeza não tem fim, felicidade sim...
Ela não entendia essa tristeza sem fim. Triste estava e triste sentiu-se aquele que estava do outro lado da tela, de luvas azuis. Sua noite terminou mais triste ainda. Não recebeu dele uma mensagem contendo impropérios, ou mágoa, ou dor. Nenhuma palavra com tom de raiva. Só a canção “Sem você”.
Percebeu a dor implícita. O amor calado. E sentiu o peito diminuir...diminuir...diminuir... E quase lhe faltou o ar. A resposta que conseguiu dar foi um apenas “Sinto muito”.
E agora, ela estava ali novamente. Sentada em frente à tela sem saber se enviava a resposta a um novo encontro que ele pedia. Decidiu-se. Escreveu mais um verso e enviou a mensagem. Eu sou mais você e eu. Terminou o vinho da taça, levantou-se e esticou os braços empurrando a vida para a ponta dos dedos. Abriu a janela e viu um ou outro carro que cruzava a avenida. Sentiu o vento que anunciava mais uma madrugada de sábado e “impossível fugir a essa dura realidade”.

Ela lançou sua vida ao abismo. Porque hoje é Sábado.

(Maria Creuza - Onde anda você)

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