domingo, 4 de setembro de 2011

Para não esquecer um guardador


Sombrinhas servem para serem esquecidas
Tristezas para viverem escondidas

Guarda-chuvas servem para serem perdidos
Desejos para serem fortalecidos

Cartas servem para serem postadas
Paixões para serem encontradas

Guarda-sóis servem para serem armados
Quereres para serem devotados

Bilhetes servem para serem enviados
Declarações para manterem os apaixonados

Guarda-roupas servem para serem lotados
Prazeres para serem gozados

Livros servem para serem lidos
Romances para serem vividos

Guarda-volumes servem aos esquecidos
Presentes para serem devolvidos

Revistas servem para serem roubadas
Belezas para serem contempladas

Guarda-livros servem às notas contadas
Heranças para serem vilipendiadas

Copos servem para serem preenchidos
Conhaques para serem bebidos

Guardanapos servem para serem rabiscados
Cigarros para serem tragados

Canetas servem para pensamentos contidos
Lápis para versos exibidos

Guarda-pós servem aos empoeirados
Gizes para serem lançados

Certezas servem aos indecisos
Loucuras para os de muito siso

Guarda-palavras servem para os esquecidos
Lembranças daquilo que foi vivido.

Lista I: Músicas que me fazem chorar

A seleção começa com DEZ...mas, é evidente, que minhas lágrimas são muitas, e as músicas também serão. Aqui, um começo.

1. Te valorizo - Tiê


Essa canção me reporta a seguinte imagem: Eu, dirigindo o Negão em direção à Jacarezinho/Pr. Tiê cantando em voz muito baixa no som do carro. E o sol em meu rosto me faz pensar em alguém. A esse alguém, como na canção, eu gostaria de poder mostrar o sentimento que me deu e embrulharia, para chamar de meu.


2. Back down south - King of  Leon



Descobri Kings of Leon por acaso. Tão ao acaso que nem recordo direito como. Acabou sendo minha trilha sonora de arrumar a mudança de Jacarezinho para Londrina/Pr, no final de fevereiro de 2011. Apesar de ser uma canção sobre a volta, a mim me coube transformá-la em ida. Ao lado das outras canções da banda, é uma música que tem me acompanhado: Porto, Irlanda e Escócia.



3. Streets of Philadelphia - Bruce Springsteen


Essa canção é da minha adolescência. Não somente lembra o filme Philadelphia (Jonathan Demme, 1983, mesmo diretor de Silêncio dos Inocentes - que eu amo) quanto me lembra ter sido o primeiro filme a que assisti de temática homossexual e sobre a AIDS. Evidentemente, ainda, a que assisti na escola - numa tentativa, penso eu, tanto de esclarecimento quanto de fazer com que fizéssemos alguma coisa enquanto não tínhamos professores. Ao filme Filadélfia junta-se: Diário de um adolescente, com Leonardo Di Caprio, A cura e mais alguns. Não sei se me faz chorar pela dramaticidade que o filme acaba por incidir ou se pela solidão que as andanças pelas ruas impõem.




4. Pelo Interfone - Patofu


A música é velha. Do Ritchie. Hit dos oitenta ao lado de Menina veneno. Penso que me faz chorar, nessa versão, pela voz adocicada da Fernandinha Takai mais a deliciosa voz infantil das crianças. Além, é claro, da frase maravilhosa "não quero te prender, mas não posso te perder/esse é um dilema que nem o cinema pode resolver". Bonitinha!!!!


5. You're gonna make me lonesome when you go - Bob Dylan (Versão da Madeleine Peyroux)


Bob Dylan está para mim como Chico Buarque está para muitas das minhas amigas. Não há palavras para Bob Dylan, Bob Dylan é a palavra. É difícil escolher uma das suas maravilhosas canções. Penso em Tambourine Man e o filme estrelado pela deusa Michele Pfeiffer (Mentes Perigosas, 1995), que me apresentou o poeta Dylan Thomas. Penso no filme Vanilla Sky (2001, do Cameron Crowe) e na madrugada que fiquei pirando com as referências a Bob Dylan no filme. Algo como 'Onde está Wally". O que me seduz sempre. Penso em meus alunos que me deram o documentário No direction home (Scorcese), em duas versões, a cópia - autografada por todos - e a original, mais o dvd Bob Dylan acústico Mtv. Três presentes maravilhosos. Mas essa canção, descobri por acaso, ao ouvir o cd Careless love (2004), de Madeleine Peyroux e, desde então, me apaixonei. A letra é mais uma das pérolas de Dylan e a voz inebriante de Peyroux me seduziu de imediato. Não há nem como escolher o melhor verso, a melhor estrofe, a melhor construção poética. Imagino que me faça chorar porque, definitivamente, "você me deixará solitário quando você se for".



6. Samson - Regina Spektor

Regina Spektor é fodástica. A referência dessa canção para mim é a história de Sansão e Dalila. E, para além disso, um momento em minha vida em que descobri um novo amor e o verso: 'Você é meu mais doce pecado' (You are my sweetest downfall) era a legenda do que eu estava sentido. Choro porque me faz lembrar não só esse momento, mas também, o meu "doce pecado".


7. Conversa de Botas Batidas - Los Hermanos


A história dessa canção é linda. Li, certa vez e em algum lugar, que o Camelo compôs a letra baseado na história de um casal, já velhinho, de amantes que se encontravam num quarto de hotel há anos. Esse amor proibido, intenso e longo acabou quando o prédio pegou fogo e os dois morreram nesse incêndio. Penso que a narrativa da letra por si só já faz derramar algumas lágrimas. Mas, ao lado dessa triste história, está o dia em que fui assistir ao Show da banda em Curitiba, com D. e meus alunos do curso de História, da Unicentro (2006/07), que, inclusive, foram super doces ao deixarem-me ficar ao pé do palco. Choro porque me lembra esse momento, de felicidade e parceria, por D. e eu sabermos cantar todas as canções do CD Ventura e termos nossos nomes gravados no autógrafo de Amarante e Camelo.


8. Someone  like you - Adele


Adele faz chorar porque faz chorar. Não há uma canção de "21" que não seja sobre o final de caso que não acabou bem. Como os meus, como o primeiro e o último. E quando ouço a canção sempre penso que a letra deve ser direcionada a mim. Talvez, por isso, chore. Porque o outro lado da história também sofre. Penso que o par da relação que se vai, no fim de uma relação, seja tratado como o canalha da história. Um dia isso é digerido. Mas há um momento em que é essa a ideia. E, eu realmente penso que 'Sometimes its lasts in love/But sometimes it hurts instead'.


9. Behind blue eyes - the Who


The Who surgiu em minha vida e tudo se transformou. Essa canção me faz chorar porque me faz me sentir o homem mal e triste por trás dos olhos tristes. Pois, ninguém sabe... e a letra é pura poesia.



10. I see a darkness - Jonnhy Cash 

Jonnhy Cash e Bob Dylan são meus senhores. E essa canção de Cash veio em um momento muito triste. Nem sei ao certo o porquê da tristeza. Se era tristeza ou melancolia. Ou, ainda, um momento de insatisfação em que eu realmente estava vendo somente a escuridão. E essa angústia era regada a muitas doses diárias de I see a darkness.

 

terça-feira, 15 de março de 2011

Bocaoca

A borboleta laranja enomorou-se do vento.
Ele a castigava. Empurrava-a contra as crateras labirintos
das formigas.
Ela resistia.
Inerme como uma boca pintada com as cores do último verão.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Gatobrás


[Brás Cubas desdenhando da TV, 2007]


Do alto, salto,
Sou um tigre feroz.

Minha silhueta felina,
Contempla o tempo atroz.

Meus olhos, verdes esmeraldas,
Procuram por alguém que se foi.

E, na vaguidão do espaço,
Procuro-lhe para dizer Oi.


Hoje fiquei com muita saudade de meu gato Brás Cubas...Resolvi, então, fazer esse post em homenagem a ele. Porque...simplesmente...ele foi único e, talvez, isso aplaque um pouco a Saudade.
Além da foto, segue um poema que fiz para ele. 




[Eu e Brás, indo para Ilha do Mel, 2007]

domingo, 6 de março de 2011

siririca poética

A imagem no monitor projetava uma bucetinha infantil. Como uma lagarta sem pêlos. Os dedos pouco umedecidos pareciam roçar suas pontas às portas daquele que, antes, era considerado um santuário. Não é mais. Agora é uma lona circense vermelha e amarela, com luzes de ribalta a tilintar dentro de si. Risos explodiam, dentro e fora, vindos de uma platéia idiotamente enlouquecida a praticar o voyeurismo moralizante.  

Ela estava exposta. Nuamente exposta. Os fotogramas expunham sua intimidade. Sua própria invasão permitida, com os dedos a tocar sua intimidade agora não mais íntima, mas coletiva. Mulheres, homens, adolescentes, bichas e sapatas deliciavam-se batendo punhetas e siriricas com aquele pequeno cântaro que se exibia no monitor.

terça-feira, 1 de março de 2011

Mon Amour

Essa linda canção e história de amor deve-se ao meu amor. Todos os créditos.
A animação é fantástica, a música linda e a menção ao Jogo da Amarelinha, de Cortázar é para abrilhantar a vida.





O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7
 

Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.
 Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.



[Júlio Cortázar]
[Tradução de Fernando de Castro Ferro]




[Essa canção francesa - Thiago Pethit e Tiê]

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Madeleine Peyroux - You're Gonna Make Me Lonesome When You Go



porque essa canção me faz chorar. Ever. 

porque "eu ficarei tão solitária quando você se for"

le desert

ela atravessaria o deserto por ele, disse numa noite em que algumas taças de vinho a deixaram tonta. ele abandonaria a esposa por ela, disse depois de ter fumado unzim. ela pintaria o céu de vermelho, disse depois de fazerem amor à meia luz. ele enfrentaria o sogro-diretor da empresa, disse depois daquela noite no motel. ela não viveria mais sem ele, disse depois que os espasmos passaram. ele lhe ligaria assim que as coisas se acalmassem, disse depois do banho. ela ficou com o deserto, com o céu e sem a vida. ele ficou com a esposa, com o emprego e sem seu número de telefone.

faire cattleya

Enquanto a penetrava, lembrou da flor. Depositou um pouco do seu pólen. Não vingou. “Ainda bem”, pensou, “não gastarei com adubo”. Ao sair, a flor se abriu. Inteira, úmida e sedenta.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011


*

Carnaval?
Roupas no varal.
Formigas no quintal.
Requintes de vagal.
Mas que tal...
A solidão é o mal,
Para o qual
Remédio não há sinal.

Uma imensidão azul para apenas um bico d'água.

Talvez seja Caio. Anotação perdida.

Na terra do coração passei o dia pensando - coração meu, meu coração. Pensei e pensei tanto que deixou de significar uma forma, um órgão, uma coisa. Ficou só com-cor, ação - repetido, invertido - ação, cor - sem sentido - couro, ação e não. Quis vê-lo, escapava. Batia e rebatia, escondido no peito. Então fechei os olhos, viajei. E como quem gira um caleidoscópio, vi:

Meu coração é um sapo rajado, viscoso e cansado, à espera do beijo prometido capaz de transformá-lo em príncipe.

Meu coração é um álbum de retratos tão antigos que suas faces mal se adivinham. Roídas de traça, amareladas de tempo, faces desfeitas, imóveis, cristalizadas em poses rígidas para o fotógrafo invisível. Este apertava os olhos quando sorria. Aquela tinha um jeito peculiar de inclinar a cabeça. Eu viro as folhas, o pó resta nos dedos, o vento sopra.

Meu coração é um mendigo mais faminto da rua mais miserável.Meu coração é um ideograma desenhado a tinta lavável em papel de seda onde caiu uma gota d’água. Olhado assim, de cima, pode ser Wu Wang, a Inocência. Mas tão manchado que talvez seja Ming I, o Obscurecimento da Luz. Ou qualquer um, ou qualquer outro: indecifrável.

Meu coração não tem forma, apenas som. Um noturno de Chopin (será o número 5?) em que Jim Morrison colocou uma letra falando em morte, desejo e desamparo, gravado por uma banda punk. Couro negro, prego e piano.

Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos.

Meu coração é um traço seco. Vertical, pós-moderno, coloridíssimo de neon, gravado em fundo preto. Puro artifício, definitivo.

Meu coração é um entardecer de verão, numa cidadezinha à beira-mar. A brisa sopra, saiu a primeira estrela. Há moças na janela, rapazes pela praça, tules violetas sobre os montes onde o sol se p6os. A lua cheia brotou do mar. Os apaixonados suspiram. E se apaixonam ainda mais.

Meu coração é um anjo de pedra de asa quebrada.

Meu coração é um bar de uma única mesa, debruçado sobre a qual um único bêbado bebe um único copo de bourbon, contemplado por um único garçom. Ao fundo, Tom Waits geme um único verso arranhado. Rouco, louco.Meu coração é um sorvete colorido de todas as cores, é saboroso de todos os sabores. Quem dele provar, será feliz para sempre.

Meu coração é uma sala inglesa com paredes cobertas por papel de florzinhas miúdas. Lareira acesa, poltronas fundas, macias, quadros com gramados verdes e casas pacíficas cobertas de hera. Sobre a renda branca da toalha de mesa, o chá repousa em porcelana da China. No livro aberto ao lado, alguém sublinhou um verso de Sylvia Plath: "Im too pure for you or anyone". Não há ninguém nessa sala de janelas fechadas.

Meu coração é um filme noir projetado num cinema de quinta categoria. A platéia joga pipoca na tela e vaia a história cheia de clichês.

Meu coração é um deserto nuclear varrido por ventos radiativos.

Meu coração é um cálice de cristal puríssimo transbordante de licor de strega. Flambado, dourado. Pode-se ter visões, anunciações, pressentimentos, ver rostos e paisagens dançando nessa chama azul de ouro.

Meu coração é o laboratório de um cientista louco varrido, criando sem parar Frankensteins monstruosos que sempre acabam destruindo tudo.

Meu coração é uma planta carnívora morta de fome. Meu coração é uma velha carpideira portuguesa, coberta de preto, cantando um fado lento e cheia de gemidos - ai de mim! ai, ai de mim!

Meu coração é um poço de mel, no centro de um jardim encantado, alimentando beija-flores que, depois de prová-lo, transformam-se magicamente em cavalos brancos alados que voam para longe, em direção à estrela Veja. Levam junto quem me ama, me levam junto também.Faquir involuntário, cascata de champanha, púrpura rosa do Cairo, sapato de sola furada, verso de Mário Quintana, vitrina vazia, navalha afiada, figo maduro, papel crepom, cão uivando pra lua, ruína, simulacro, varinha de incenso.

Acesa, aceso - vasto, vivo: meu coração é teu.