segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Feeling good


(Nina Simone, Feeling Good)

"And this old world is a new world
And a bold world
For me"

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

O gato, o sapato e o (ph)ato



Cato
um gato
no asfalto

meto
no sapato

o danado
pensa que
pelo facto
d'eu estar
de fato
pode saltar
do sapato
para o
bolso do
fato

Que disparato!

Não sou
um pato

E o meu fardo
(na vida) já
é bem pesado

Dou-lhe o sapato
e leva-me ainda o fato?

Só um gato
para me fazer
de pato e
sapato

[Porto, 23/08/2012]

Agora

"Agora que agora é nunca
Agora posso recuar
Agora sinto minha tumba
Agora o peito a retumbar"

(Arnaldo Antunes, do Cd Tudo ao mesmo tempo Agora, Titãs, 1991)



[Maria Bethânia, Debaixo d'água/Agora, DVD Dentro do mar tem rio]

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Se



(Capela dos ossos - Évora - Julho/2012]

se eu morresse aqui, nesse momento, como seria? quem descobriria meu corpo putrefato? penso que já morri em pouco-muito aqui. meu cadáver continuará seguindo, sem rumo certo ou definido. vagando em busca de algo que já não existe mais. existiu um dia? ou preparei meu cadáver para a morte certa?

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

É bom que você saiba que (por Maria de Queiroz)





[Sangue Latino - Ney Matogrosso]


eu nunca fui uma moça bem-comportada. pudera, nunca tive vocação pra alegria tímida, pra paixão sem orgasmos múltiplos ou pro amor mal resolvido sem soluços. eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo. não estou aqui para que gostem de mim. estou aqui para aprender a gostar de cada detalhe que tenho. e pra seduzir somente o que me acrescenta. adoro a poesia e gosto de descascá-la até a fratura exposta da palavra. a palavra é meu inferno e minha paz. sou dramática, intensa, transitória e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta. eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo. sei chorar toda encolhida abraçando as pernas. por isso, não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar...eu acredito é em suspiros, mãos massageando o peito ofegante de saudades intermináveis, em alegrias explosivas, em olhares faiscantes, em sorrisos com olhos, em abraços que trazem pra vida da gente. acredito em coisas sinceramente compartilhadas. em gente que fala tocando no outro, de alguma forma, no toque mesmo, na voz ou no conteúdo. eu acredito em profundidades. e tenho medo de altura, mas não evito meus abismos. são eles que me dão a dimensão do que sou.


domingo, 19 de agosto de 2012

Talvez seja bom que você saiba [Eduardo Baszczyn]

[Leonard Cohen - Bird on the wire]



eu: coleciono rancores. desejo coisas ruins. cuspo na maioria dos pratos que já mataram a minha fome. gosto da inveja. da cobiça. de planos mirabolantes para destruir quem precisa ser derrubado. as peças inúteis que obstruem caminhos no tabuleiro onde sobrevivo. eu: acho o amargo melhor que o doce. a vingança mais sábia do que o perdão. o olho por olho mais justo do que a inocência ridícula da compaixão. eu falo por trás esquentando orelhas. beijo faces indigestas com a doçura de judas. escondo raiva através de silêncios. ódio debaixo de sorrisos. as facas afiadas nas mãos para trás. há anos, envio buquês que escondem plantas carnívoras. cartas com artefatos explosivos. flores de mentira que espirram água no meio das caras. gosto da umidade das cavernas. do escuro dos quartos fechados. do silêncio da ruínas. do vazio das gavetas mofadas. eu: preciso do sossego do meu ninho. das outras cobras perigosas. eu: se for cutucado, aviso: não há antídoto para meu tipo de veneno.

do blog http://coisasdagaveta.blogspot.pt/

sábado, 18 de agosto de 2012

A saudade...


"ainda que eu não tenha paragens. ainda que o trânsito de lá para cá me atravesse. ainda que não haja um ponto zero no meu mapa. ainda que a saudade brote, feroz, canina, mortífera. ainda que ela venha e volte, alguns dias acomodada, silente. em outros, como hoje, voraz, devoradora. fotogramas acendendo e apagando na tela vazia: um amanhecer enevoado de Inácio Martins, o pôr-do-sol mais lindo da aldeia em Guarapuava, o mar dividido entre as pedras e as casas empoleiradas em Florianópolis, as fuligens negras cobrindo os azulejos em Jacarezinho, a chuva despudorada, molhanãomolha, e cheirosa de Londrina, o gosto da Augusta em São Paulo..."A saudade é prego parafuso/quanto mais aperta tanto mais difícil arrancar/ A saudade é Brigitte Bardot/Acenando com a mão/num filme muito antigo"

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

As mãos de uma mulher

as mãos de uma mulher
são como bailarinas
dançam, bailam, irrompem o ar
delicadamente finas

as mãos de uma mulher
são borboletas voltejantes
flanam, flutuam, pousam sobre o ar
sorrateiramente provocantes

as mãos de uma mulher
são as patas de uma aranha
que se movimentam lentamente
sobre uma teia estranha

as mãos de uma mulher
são frágeis colibris
obcecadas voam celeramente
nas batentes das janelas que abris

as mãos de uma mulher
são cântaros fundos
cheios de grãos de areia
escorrendo entre meus dedos fecundos

as mãos de uma mulher
são a batuta que rege a orquestra
desordenada e melancólica
da vida que não me resta.

[Lisboa 01/08/2012]

O banco



Sentam-se.
Deitam-se.
Namoram-se.

E,
se o banco
se cansasse
E fosse embora
Vermelho de raiva?
Azul de ódio?
Amarelo de medo?

Não.

O banco
não foge
porque gosta
das ancas das mulheres
poisadas
em seu colo.

[Évora, 30/07/12]