sexta-feira, 23 de março de 2012

Suicídio à moda do Porto





Um corpo cai e não é Hitchcock
Um corpo naufraga e não é Defoe
Um corpo em sua via crucis e não é Lispector

O corpo cai
O corpo não afunda
O corpo se vai

Segue o rio
Segue o fio
Segue à frente do navio
que desvia

E a velha portuguesa
grita
E o grito dura o tempo
que o corpo toca a leve
camada fria do rio
Ela se desespera
A velha portuguesa seca as mãos úmidas
em seu avental verde e amarfanhado

Não há corpo da marinha
Não há corpo de bombeiros
Não há corpo policial
Há, apenas, um corpo
a atravessar o Douro
a penetrar o Douro
a invadir o Douro
Na hora dourada do poente

Um grito não salva
uma alma que se solta

Um corpo solto
do meio da ponte
que os ferros de Eiffel sustentam

Um corpo não sustenta uma
alma
que imagina ter
asas

Nenhum comentário:

Postar um comentário