segunda-feira, 23 de abril de 2012

quem precisa de molduras? ou noves, fora zero



  1. 1.

    Uma joaninha laranja de pintas pretas atravessa a folha preenchida com uma canção pop irlandesa. Avança a pasta amarelo limão e um jogo de cores se faz. Um jogo de cores meio brega, meio ridículo, mas que satisfaz. Meio tonta ela zanza de um lado a outro da pasta, subindo e descendo pelo elástico, que também zigue-zagueia entre o branco e o preto que o tinge.

    2.      

    Uma borboleta preta e vermelha atravessa o tráfego quente da rua ensolarada. Perdida entre as árvores que povoam a casa da esquina tenta alçar um vôo que cruze de um lado ao outro da rua. Debate-se um pouco, meio tonta, meio vaga, suicida-se no poste em frente ao verde prédio dos perdidos.

    3.
           
    Um pássaro de peito amarelo se equilibra numa fina folha de capim-limão. O seu canto oculto no rock pesado da britadeira não é ouvido pelos passantes. Para que sinfonia natural se o dia insiste em nascer em ópera-rock?!

    4.       

    Um grilo verde invade a sala de estar. Pousado na limpidez da parede branca ousa se movimentar. Uma pata preta o estonteia. Perdendo suas asas, sem equilíbrio e cegado pela claridade do sol, suicida-se entrando na boca negra do gato.
    5.       

    Uma mariposa baila em torno da lâmpada fluorescente. Encontra um vão em que pode penetrar e deixar-se entrever na luminosidade incandescente. Dentro do espaço aconchegante e sedutor dos falos brancos deixa-se repousar. A quentura macia queima seus pelinhos. O prazer é um instante de morte.

    6.       

    Uma lagartixa atravessa o canto sul da parede. Na exata divisão pilastra e teto. Na textura laranja ela tenta esconder sua gélida brancura. Mas a menina consegue encontrá-la. E numa espera tranqüila segue seus passos até o canto da janela. Ali se precipita e consegue capturá-la. Escondida entre as pequeninas palmas descobre-se um crocodilo mísero e covarde.

    7.       

    Uma barata vermelha zigue-zagueia entre os pés do sofá. Sem maçã incrustada nas costas esconde-se no pé direito. As antenas movimentam-se rapidamente, numa tentativa de captar, rastrear o melhor trajeto. Encurralada pela luz do dia, sente as cócegas da vassoura em suas asas duras. Afoga-se na gosma branca que a precisão do chinelo não lhe deu tempo de se  proteger.

    8.       

     Uma formiga tanajura rebola entre a rua e o muro do cemitério. Não se vê muita coisa além da folha verde que se equilibra no seu rebolado. Sem saber se desviava da poça d’água surgida com a chuva da noite ou se esperava socorro e compreensão, tenta fazer um bote da folha. A folha afunda com o peso daquela bunda sensual.

    9.       

    Um rato branco atravessa o buraco da parede imunda. Os ratos são descendentes de deuses. Cultuados, abençoados e alimentados não dividem seu Olimpo com os bárbaros dos esgotos. Gordos e opulentos respeitam os ratos albinos que são descendentes diretos da deusa-mãe. Entre as limpas passagens do palácio dividem seu leite com os fiéis. Ratos do ocidente vão para a ratoeira, ratos da Índia vão gordos para qualquer altar.

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